
A trama escrita por Claudia Lage e João Ximenes Braga conta a história da amizade entre a branca e rica Laura (Marjorie Estiano) e a negra e pobre Isabel (Camila Pitanga) e mostra os diversos desafios que as mesmas enfrentam por ousarem pensar diferente do senso comum da sociedade carioca do início do século XX. Entre outras "afrontas" ao modelo pré-estabelicido Laura trabalha fora e é divorciada, enquanto Isabel é mãe solteira, enriquece como bailarina na França (dançando justamente samba, um ritmo que na época era considerado vulgar) e ainda vira dona de teatro no Brasil. Também é preciso louvar o fato de que a história valoriza a amizade feminina, tema que tantas vezes é retratado como impossível em obras que ajudam a disseminar a falsa ideia de que mulheres sempre competem e nunca se ajudam.
Os protagonistas masculinos também são ótimos. Zé Maria (Lázaro Ramos), par de Isabel, começou como barbeiro virou marinheiro (inclusive participando ativamente da Revolta da Chibata), trabalhou num jornal e finalmente conseguiu ter seu talento como administrador reconhecido ao ser chamado para trabalhar em uma importante fábrica. Seu machismo do começo da trama, marcado por pensamentos que refletem a educação recebida por ele e que reproduziam o senso comum, foi aos poucos se desfazendo no convívio com Isabel. Já Edgar (Thiago Fragoso), marido de Laura, mostrou-se desde sempre um companheiro sensível as demandas da esposa, apesar de em alguns momentos também falar ou agir guiado por pensamentos ligados ao status quo.
Ao quarteto protagista se somaram personagens interessantes como o núcleo do teatro, responsável pelo alívio cômico da trama; a família de Laura, com destaque para sua mãe Constância (Patrícia Pillar) que é a grande vilã da história com seu pensamento racista e seu apego às tradições; os personagens que vivem no morro, que têm a importante tarefa de tocar em assuntos como racismo, perseguição religiosa e desigualdade social, entre outros tantos que fizeram desta novela uma das mais bem escritas da teledramaturgia nacional. Tratar de temas históricos como a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata e a formação das favelas no Rio de Janeiro também é bastante útil, uma vez que muitos espectadores podem nem se lembrar de quando estudaram tais assuntos na escola ou mesmo não terem tido acesso à essa informação.
É claro que novela é um produto e que não traz em si a obrigação de ser didática, fiel à realidade ou mesmo de tratar de temas relevantes para a sociedade. Ela pode ser apenas diversão. Mas quando um produto destes, que chega a milhões de brasileiros de todas as classes sociais, traz algo a mais, como é o caso de Lado a Lado, isso é motivo de comemoração. Ver assuntos como emancipação feminina e preconceito racial sendo discutidos abertamente na televisão é ótimo. E mesmo a trama se passando entre 1906 e 1910 percebe-se que estes ainda são assuntos importantes de serem tratados. Basta abrir o jornal ou acessar um portal de notícias para ver que muitas mulheres ainda continuam sendo violentadas e agredidas apenas por terem nascido mulheres e que muitos negros continuam sofrendo preconceito e sendo mal tratados apenas pela cor de sua pele.
