Fui assistir A Garota Dinamarquesa com altas
expectativas, afinal é sobre a primeira pessoa a fazer uma cirurgia de
redesignação sexual de que se tem conhecimento. Fui esperando uma história super
envolvente e uma atuação incrível do Eddie Redmayne. E como toda expectativa
alta tem grandes chances de decepcionar foi o que aconteceu.
O filme é bom. Acima da média até. E com certeza
Eddie Redmayne é um excelente ator. O problema é que eu não consegui me
conectar com a personagem principal. A transição de Einer Wegener
para Lili Elbe me pareceu muito pautada em aspectos superficiais do que é ser
mulher. Não senti um aprofundamento emocional da personagem na trama. Um
desnudar-se para além do físico.
Não é a meia de seda, o vestido de renda, o salto
alto que fazem uma mulher. Não é o jeito de sentar ou a posição de pousar as
mãos sobre as pernas. O que eu senti no filme foi que a transição se deu muito
através de uma identificação do protagonista com os estereótipos de gênero e
não com a subjetividade do ser mulher.
E estranhei o fato de que ao se tornar Lili todo o
amor e tesão que ele sentia pela esposa virou amizade. Como se mulheres
necessariamente precisassem se apaixonar por homens. Sendo que antes do uso das
roupas e da peruca é passado ao expectador que eles tinham uma vida sexual
feliz. Nesse ponto acredito que o filme caiu na heteronormatividade compulsória
– mais uma vez apegando-se a papeis limitados de gênero.
Mas aí tem a personagem da Gerda Wegene,
interpretada por Alicia Vikander, que é o oposto disso. Ela é uma mulher lutando
para se estabelecer num mundo de homens, desafiando papéis impostos. Porém, ao
mesmo tempo é uma esposa que ama seu marido, que sofre ao perceber seu
relacionamento naufragar a medida que Einer deixa de existir. Seu
companheirismo e sua abnegação é que são sim típicos do que é ser socializado
como mulher. É o se sacrificar por quem se ama. É o abrir mão de si em
detrimento do outro, que vai muito além da roupa que se veste.
Se a intenção é entrar na pele do
que é ser mulher tem-se que ir pelo caminho oposto do estereótipo e se pensar
no que nos faz ser o que somos. É preciso contexto histórico e social. É
preciso muito mais que um salto alto.
Em tempo: A cena que Einer cai no chão por uma
cólica bem mostra como ser socializado como homem é não saber lidar com a dor.
Física e metafórica.